Fé radical
Os árabes contam uma fábula sobre mariposas querendo entender sobre a luz. Elas desejavam saber o segredo de se sentirem tão fascinadas pela chama de uma vela. O que as deslumbrava? Seria a luz ou o calor? Pediram a ajuda da mariposa rainha. Depois de meditar sobre o assunto, a rainha aconselhou que cada uma, individualmente, procurasse encontrar a resposta. Todas saíram em busca de desvendar o segredo do fogo.
Passado algum tempo, uma mariposa voltou cega de um olho, afirmando que havia chegado perto demais e que a luminosidade da vela lhe tinha queimado, mas que continuava sem entender os mistérios da luz. Outra voltou com uma asa chamuscada, reconhecendo que a experiência não fora satisfatória. Por séculos as mariposas continuaram sem entenderem porque a luz lhes extasiava tanto. Até que um dia uma voou na direção de uma lamparina com tanta determinação que morreu carbonizada. Nesse dia a mariposa rainha falou: “somente esta mariposa conheceu o mistério do fogo, mas nós nunca saberemos”.
A experiência com Deus é muito semelhante a essa fábula. Conhecer Deus é um encontro com o transcendente que não pode ser contido na dimensão do saber empírico. Ninguém aprende sobre o eterno valendo-se das ferramentas experimentais do cientista. Portanto, estão errados os ateus que buscam na exatidão matemática ou na pesquisa astronômica os meios de provar a não existência de Deus. Estão também errados os teólogos que tentam responder as acusações dos ateus com “argumentos ainda mais sólidos” e “cientificamente exatos” sobre a realidade divina.
A experiência com Deus é espiritual, portanto, mulheres e homens restritos a mecanismos naturais não conseguem alcançar ou discernir. O crente ouve uma voz inaudível, sente-se acompanhado por uma presença imperceptível e aprende verdades inaprendíveis. Infelizmente, o ocidente iluminista, positivista, acredita poder abraçar as verdades espirituais com as mesmas categorias que usa para estudar química e biologia. Quando Jesus afirmou que suas ovelhas ouvem a sua voz, não se referia à audição física, mas a uma intuição espiritual que precisa ser desenvolvida como sensibilidade imaterial.
A experiência com Deus é sempre inédita. E cada encontro com Deus será original, nunca previsível. As religiões, com seus ritos, procuram domesticar o sagrado, mas Deus não se permite engaiolar por qualquer liturgia. Não existe rede grande o suficiente que prenda o Todo-Poderoso, que é livre para agir como e quando quer. O Espírito é vento selvagem, veemente. O Deus que se deixa prender sistematizado não passa de um ídolo. Em diversas ocasiões Deus manifestou sua presença através de um imenso vazio. Em outras, “as abas de suas vestes encheram o templo”. Ele sempre frustrou magos e feiticeiros que prometeram controlar seus atos. Os verdadeiros profetas sabiam que Deus não se deixa manietar por qualquer amarra.
A experiência com Deus é sempre pessoal, intransferível. A maneira como cada um entende e percebe o Senhor é única. Por isso, ele é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Ele é o Deus que se relaciona com cada pessoa com absoluto respeito à sua individualidade. O Senhor conhece as pessoas pelo nome e se manifesta com total consideração com a história de cada um.
Sendo assim, a experiência com Deus requer radicalidade. Para percebê-lo é preciso um vôo profundo e pleno, igual ao da mariposa que morreu. Conhecer a Deus tem a ver com um mergulho no mistério, mesmo que tal ato custe a própria existência. Os que só tangenciam a labareda por curiosidade nada aprenderão sobre o divino.
Na Índia, contam que um mestre meditava à beira do rio. Seu discípulo se aproximou pedindo ajuda. Ele reclamava não obter sucesso em seus exercícios espirituais – ansiava encontrar-se com Deus e se frustrava. O mestre tomou o jovem pela mão, levou-o até o rio e o forçou a ficar debaixo d’água, segurando-o pelo cabelo. Depois que deixou o rapaz perto de três minutos sem fôlego, puxou-o de volta, deixando que, desesperado, buscasse o ar. O mestre então arrematou: “se você buscar a Deus com a mesma intensidade como procurou o oxigênio que lhe dá vida, certamente, o achará”. “Vocês me acharão, diz o Senhor, quando me buscarem de todo o coração”.
Quando cada um, a seu modo, procura conhecer a Deus e se entrega, radicalmente nessa busca, o achará… Mas nós nunca saberemos.
Soli Deo Gloria
– Ricardo Gondim
Fonte: Guia-me / IBB News